ARTIGO – O Supremo Tribunal Federal e a Descriminalização do Porte de Maconha: Definições e Implicações

(João Américo – Advogado)

Na quarta-feira, 26 de junho de 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou um julgamento histórico sobre a descriminalização do porte de maconha no Brasil, uma discussão iniciada em 2015. A decisão do STF incluiu a definição de parâmetros para diferenciar o uso pessoal de drogas do tráfico, estabelecendo um marco significativo na política de drogas do país.

Na terça-feira, 25 de junho, o STF já havia decidido pela descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Contudo, restava definir critérios específicos, especialmente a quantidade de droga que diferenciaria um usuário de um traficante. Após debates, a corte fixou esse limite em 40 gramas ou seis plantas de maconha. Esse quantitativo é um meio termo entre as propostas do ministro Alexandre de Moraes (60 gramas) e do ministro Cristiano Zanin (25 gramas).

Além da quantidade, outros fatores serão considerados para determinar a intenção de tráfico. Por exemplo, uma pessoa flagrada com menos de 40 gramas pode ainda ser considerada traficante se houver provas de comercialização, como a presença de balanças de precisão ou anotações sobre a venda da droga. Assim, a quantidade serve como um critério presumido, mas não absoluto, para que a pessoa flagrada com até 40 gramas seja presumida usuária na ausência de outras provas de tráfico.

O STF fixou uma tese de repercussão geral (a ser utilizada como parâmetro em todo Brasil), o seguinte:

1. A aquisição, guarda, depósito, transporte ou porte de cannabis sativa para consumo pessoal não constitui infração penal, mas pode acarretar apreensão da droga e sanções como advertência sobre os efeitos da droga e participação em programas educativos.

2. Essas sanções são aplicadas em procedimento de natureza não penal, sem repercussões criminais.

3. A autoridade policial deve apreender a substância e notificar o usuário para comparecer em juízo, sem prisão em flagrante ou termo circunstanciado.

4. Será presumido usuário quem portar até 40 gramas de cannabis ou seis plantas, até que o Congresso Nacional legisle sobre o tema.

5. Essa presunção é relativa, permitindo prisão por tráfico mesmo para quantidades menores, se houver indícios de mercancia.

6. O delegado de polícia deve justificar a prisão em flagrante detalhadamente, evitando critérios subjetivos arbitrários.

7. O juiz deve avaliar as razões da prisão ao receber o auto de prisão em flagrante.

8. Quantidades superiores a 40 gramas não impedem o juiz de considerar a conduta atípica, se houver prova suficiente de uso pessoal.

O STF determinou que a quantidade estabelecida vale até que o Congresso legisle sobre o tema e proibiu justificativas arbitrárias em autos de prisão. Também ficou decidido que usuários não podem ser submetidos à prestação de serviços à comunidade, pois esta tem natureza penal. Somente sanções administrativas serão aplicadas aos usuários.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) deverá estabelecer um novo rito para notificação de usuários e promover mutirões carcerários para corrigir prisões indevidas, potencialmente resultando na soltura de muitos usuários. A decisão também destina parte do Fundo Nacional Antidrogas para campanhas educativas sobre o uso de drogas.

O julgamento teve início em 2015 com o voto do ministro Gilmar Mendes, que argumentou que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal viola direitos fundamentais de privacidade e intimidade. O caso foi retomado em 2023 com o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, que enfatizou a necessidade de critérios objetivos para diferenciar usuários de traficantes.

O ministro Cristiano Zanin divergiu parcialmente, propondo um limite de 25 gramas, ajustado para 40 gramas, enquanto defendia a manutenção dos critérios existentes na Lei de Drogas. André Mendonça sugeriu que o Congresso decidisse sobre a quantidade dentro de 180 dias, e Nunes Marques propôs 25 gramas como limite.

A decisão do STF sobre a descriminalização do porte de maconha representa um avanço significativo na política de drogas no Brasil. Estabelecendo critérios claros e objetivos, a corte busca garantir uma aplicação justa e isonômica da lei, evitando discricionariedades e abusos, e promovendo uma abordagem mais equilibrada e respeitosa aos direitos individuais.

Por Maria Eduarda Rodrigues

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